Considerações éticas na prática e ensino da ortopedia
Dr. José Felipe Marion Alloza
São Paulo • SP
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“O segredo do cuidado ao paciente está em cuidar do paciente” – Francis Weld Peabody
Por conta de nosso treinamento e expertise, a nós médicos são dados permissões e privilégios.
Nos é permitido realizar procedimentos nas pessoas, invadir suas vidas privadas com questionamentos pessoais e íntimos; tocarmos, manipularmos seus corpos para examiná-los; levar a exposição de radiação por meio de exames por nós solicitados. Nos é permitido prescrever, infiltrar e fazer pacientes ingerirem substâncias que podem ter risco potencial a saúde, mas sempre na busca do melhor cuidado.
Nos é permitido invadir corpos com cirurgias que mudam formas, alinhamentos e que podem ser considerados agressões se realizados por qualquer outro não qualificado ainda que bem-intencionado.
Significantes obrigações vem com estes privilégios. Somos obrigados a usar nosso conhecimento da ciência e medicina para agir pelo bem de nossos pacientes, temos uma responsabilidade fiduciária (do latim fidúcia, confiança) para colocar interesse e necessidade de bem-estar de nossos pacientes acima de todos os interesses, incluindo o nosso próprio interesse.
Somos obrigados a agir movidos pelo princípio ético da beneficência. Evitar o mal, a não maleficência, não é suficiente; devemos ativamente procurar pelo bem do outro.
A relação médico-paciente, e os princípios que a geram e regulam, são, portanto, centrais na entrega dos cuidados; seja no seu contato direto ou quando indiretamente na ação do ensino e treinamento.
O dever primário do médico será sempre com o paciente, e como cirurgiões ortopédicos podemos ter atuação na educação médica e continuada, temos de nos manter constantemente vigilantes no balanceamento de nossas obrigações com a segurança e cuidados dos pacientes, e na prática de ensinamentos de quem está em treinamento, além dos ensinamentos ao próprio paciente em seus cuidados.
Sempre importante relembrar que Doutor, como somos sempre lembrados, deriva do latim docere, ensinar.
É notório que quando um jovem residente, ou mesmo cirurgião já experiente, está em sua curva inicial de aprendizagem de determinada técnica, pode não realizar este procedimento tão bem quanto um cirurgião mais experiente. Então, nesse caso, poderíamos não estar oferecendo o melhor ao nosso paciente, maior dificuldade no julgamento crítico do procedimento, demora desnecessária, anestesia prolongada, maior risco de sangramento e maior potencial de complicações.
O respeito por mais um preceito ético, o da autonomia do paciente, requer que o paciente sob cuidados seja informado pelo médico residente em treinamento ou pela equipe, do papel de cada um dos envolvidos nos seus cuidados, de que se tem pessoas em treinamento, mas que a equipe está completa e alinhada para atendê-lo, com a retaguarda e treinamento adequado do cirurgião sênior.
Consequentemente a supervisão de programas de treinamentos deve ser cuidadosamente desenhada e aplicada para minimizar riscos e malefícios.
• Estudantes de medicina e residentes devem ser cuidadosamente selecionados;
• A atividade cirúrgica e de treinamentos em técnicas deve estar continuamente, rigorosamente e vigilantemente monitorada;
• As prescrições e procedimentos devem estar cuidadosamente desenhados e supervisionados para proteger os pacientes.
Devemos buscar excelência nas condições de treinamento dos estudantes e residentes com máximos cuidados e mínimos riscos aos pacientes, assim também com cursos voltados para novas técnicas e para treinamento de cirurgiões sêniores.
Em um futuro próximo, o treinamento com realidade virtual e o uso de peças cadavéricas deverão modificar o impacto dos treinamentos nos resultados dos procedimentos feitos por estudantes e residentes.
Elementos chaves para cuidados e treinamento com considerações éticas são:
• Informar paciente do envolvimento de estudantes ou residentes em treinamento, e seus papéis no procedimento a ser realizado;
• Instrutores devem informar os treinandos de seu papel, limite nos cuidados e os potenciais riscos e benefícios que daí podem resultar;
• Apontar e explicar aos pacientes as possíveis alternativas para tratamentos outros, e alertar pela possibilidade de escolherem não participar no processo de aprendizado em especial nos hospitais escola e residências médicas, se assim melhor entenderem, mesmo esclarecidos da importância do treinamento também para o tratamento e cuidados contínuos em nossa sociedade.
Alguns aspectos da medicina como a relação médico-paciente são fundamentais e atemporais, mas a medicina assim como leis e valores sociais não são estáticos; evoluem.
Reexaminar os princípios éticos da medicina e sua aplicação em novas circunstâncias é um exercício necessário e contínuo para o bem cuidar do paciente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• Ethical challenges in Orthopedic Surgery
• James D. Capozzi & Rosamond Rhodes
• Curr Rev Musculoskelet Med (2015) 8:139–144
• Supplement to Annals of Internal Medicine
• Lois Snyder, JD for the American College of Physicians Ethics, Professionalism, and Human Rights Committee
• Ann Intern Med. (2012); 156: 73 -104

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