MULHERES NA ORTOPEDIA

     
 

A cirurgia de tornozelo e pé e a maternidade

Eu sou Bárbara Pupim, e vou compartilhar um pouco da minha jornada. Formei-me em Medicina pela UFPR e o desejo de seguir na ortopedia surgiu no último ano da faculdade, durante o estágio obrigatório na especialidade. Naquela época, a ortopedia era uma escolha pouco comum entre as mulheres. Apesar de enfrentar comentários de dúvida, desaprovação e alguns de apoio, mantive minha decisão e entrei na residência de ortopedia no Hospital de Clínicas da UFPR.

Alguns não esconderam o descontentamento de ter uma residente mulher no grupo, desencorajando-me de diversas maneiras, seja por palavras ou ações. No entanto, devido ao meu amor pela especialidade, persisti. Recebi também conselhos valiosos e aprendizados enriquecedores, e tive a oportunidade de conhecer pessoas inspiradoras. Aprendi muito nesse período intenso e desafiador.

Após concluir a formação em ortopedia e traumatologia, escolhi me especializar em cirurgia de tornozelo e pé e realizei o quarto ano de residência (R4) no IOT-FMUSP. Foi nesse ponto que meus horizontes se expandiram significativamente, proporcionando um ano de aprendizado intenso. Conheci pessoas incríveis e explorei novos lugares e realidades. Ao olhar para trás, percebo que esse foi um ano repleto de acontecimentos marcantes, não apenas relacionados à minha formação profissional, mas também a eventos pessoais que me deixaram uma forte impressão.

Em seguida, ingressei no fellow de trauma esportivo no Hospital de Clínicas da UFPR e obtive uma bolsa para realizar um fellow em cirurgia de joelho no Centre Orthopédique Santy, em Lyon, com o Dr. Sonnery-Cottet. Minha experiência continuou a se enriquecer, interagindo com cirurgiões de diversas partes do mundo, incluindo Índia, Itália, EUA, França, Suíça e várias regiões do Brasil. Essa vivência trouxe muitas ideias, aprendizados valiosos, gratidão e saudades quando retornei ao Brasil.

Em um momento subsequente, devido ao meu casamento, mudei-me para Joinville. Lá, tive a chance de mergulhar em uma cultura diversificada, conhecer pessoas incríveis e explorar atividades que nunca imaginei que faria. Aprendi sobre regulação, auditoria e gestão. Além disso, iniciei meu Mestrado no Hospital Sírio Libanês, um programa ativo que reuniu indivíduos de todas as partes do Brasil. Tanto o corpo docente quanto os colegas e minha orientadora eram pessoas intensas e especiais. Como parte do meu projeto final, desenvolvi um aplicativo para o autocuidado de pés diabéticos. Nesse momento, meu primeiro filho estava a caminho.

Sempre desejei ser mãe, mas não sabia ao certo como equilibrar essa vontade com minha carreira. A gestação trouxe desafios adicionais para alguém que trabalha com radiações, como é o caso dos cirurgiões de tornozelo e pé. Naquela ocasião, não estava ciente de como outras mães na mesma situação estavam lidando com isso. Embora houvesse exemplos a seguir, encontrar uma abordagem adequada não foi simples. Realizei a defesa do meu mestrado já ostentando uma barriga que não deixava dúvidas, tornando-me mestra nesse período.

Com a chegada do meu primeiro filho, precisei fazer ajustes significativos em minhas atividades. Contei com o apoio de muitas pessoas para continuar trabalhando em um ritmo diferente, garantindo segurança, presença e amor para a nova vida que estava por vir. Poucos meses após o parto, com grande alegria, retomei minha rotina profissional como cirurgiã de tornozelo e pé, uma área que me traz imensa satisfação.

Pouco tempo depois, durante projetos, estudos de pós-graduação, mudanças, adaptações e em meio a uma pandemia, minha filha veio ao mundo. Assim como todos, enfrentamos períodos de incerteza, medo, angústia e desafios, mas com gratidão imensa, minha filha nasceu saudável.

Com dois filhos pequenos e a decisão familiar de voltar para Curitiba, fui confrontada com a necessidade de fazer grandes mudanças, recomeços e, felizmente, reencontros calorosos. Agora, de volta a Curitiba, sentindo que estava retornando ao meu lar, cercada por familiares, amigos e colegas, gradualmente retomei minha rotina profissional. Embora nunca mais seja a mesma, pois a chegada dos filhos transforma nosso coração, nos presenteando com os beijos mais doces e abraços mais apertados, bem como um amor incondicional.

Hoje, temos a AMOB – Associação de Mulheres Ortopedistas do Brasil, uma rede maravilhosa de mulheres unidas para servir como exemplos, oferecer apoio, compartilhar ideias e experiências. A AMOB existe como um refúgio seguro quando nos deparamos com situações em que não temos certeza de como proceder, ou quando buscamos inspiração, assistência e encorajamento daqueles que já trilharam alguns caminhos. Não é necessário que todos enfrentem as mesmas dificuldades que superamos para crescer. Aprendemos uns com os outros, enquanto novos desafios sempre surgem, evoluindo juntos com serenidade, alegria e, acredito, progresso contínuo.

Ser mulher, mãe e cirurgiã de tornozelo e pé possui particularidades únicas. Isso não nos torna melhores nem piores, apenas faz parte da trajetória daqueles que fazem essas escolhas. Com histórias compartilhadas, nos unimos, fortalecemos e experimentamos um senso de pertencimento.

Bárbara Pupim

Curitiba (PR)

Cirurgiã de Tornozelo e Pé no IMO Instituto Multidisciplinar de Ortopedia, no Centro de Diabetes de Curitiba no Hospital Nossa Senhora das Graças, e na Fundação Pro-Renal

 

Co-coordenadora da Residência Médica de Ortopedia e Traumatologia no Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, preceptora da Residência Médica e do Fellow de Cirurgia de Tornozelo e Pé no Hospital Universitário Evangélico Mackenzie