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Igualdade sem 'mimimi'

“Contrariando a natureza, as flores do ipê desabrocham em dias secos e cinzentos de inverno, anunciando a proximidade da primavera...”. A palavra “ipê” significa árvore cascuda, e sob a sombra simbólica desta árvore cascuda, em 2018, um grupo de mulheres ortopedistas, com diferentes subespecialidades, juntou-se para fundar a AMOB (Associação das Mulheres Ortopedistas do Brasil). Na ocasião, uma série de opiniões divergentes veio à tona; muita gente criticou a fundação de um comitê da SBOT formado apenas por mulheres. Dentro da ABTPé, a reação não foi diferente... houve o time dos que achavam aquilo absurdo, aqueles que questionavam a real necessidade alegando que no pé somos muitas mulheres e bem representadas e, felizmente, uma maioria que conseguia enxergar a importância e magnitude desta ação. Assim, desde sua fundação, a AMOB teve muito apoio da nossa sociedade, com espaço nos boletins e no congresso. Mas será que já está completamente claro para todos a importância/necessidade de uma associação só de mulheres ortopedistas?
Nas próximas linhas, trago números atualizados e também um pouco da minha percepção bastante subjetiva disso tudo, como mulher ortopedista. No Brasil, em 2023, somos 545.767 médicos; destes, 267.871 (49,08%) são mulheres, e este número vem aumentando. Estima-se que em 2035 representaremos 55,9% da classe médica brasileira. E por que estamos levantando tanto a bandeira da igualdade? Da equidade? Porque nossa especialidade não está nem perto de acompanhar esses números. Segundo dados do CFM, existem 17.891 cirurgiões ortopédicos no Brasil, mas apenas 1.328 são mulheres (7,4%). Na ABTPé, somos 787 membros associados, 724 homens e 63 (8%) mulheres. Ou seja, estamos cada vez formando mais mulheres médicas, mas por alguma razão elas não se interessam por ortopedia ou pela cirurgia do pé e tornozelo.
As três dificuldades citadas como principais razões para a ortopedia não estar entre as escolhas das recém-formadas são:
1) dificuldades com os pacientes: “mas você vai me operar?”;
2) dificuldades com os colegas e no ambiente de trabalho: “mulher chora, mulher engravida...”;
3) dificuldade com o equilíbrio pessoal: como conciliar família, trabalho, carreira, saúde...
Estas e muitas outras dificuldades estão presentes no nosso dia a dia, mesmo após anos de especialidade, e não esperamos que a AMOB ou a ABTPé acabem com estas dificuldades, mas sim que incentivem uma cultura de diversidade que transforme isso em força para seguirmos crescendo e conquistando espaços.
Venho integrando a diretoria da ABTPé desde 2016, mas foi em 2019 que recebi o convite para a fazer parte da diretoria executiva 2020/2021. O convite me animou, estava cheia de planos, e logo depois que aceitei o desafio, outro desafio surgiu: engravidei... de gêmeas... Tive certeza de que não poderia me manter no cargo, mas a reação do restante da diretoria foi exatamente o contrário; recebi muito incentivo para continuar e colocar em prática tudo que estava planejando... e deu certo! Entendo a ABTPé como um braço muito inclusivo da ortopedia e acho que temos muito para fazer para que cada vez mais mulheres cheguem empolgadas e com planos, componham a diretoria, componham as mesas de discussão e as grades científicas dos nossos encontros.
Igualdade significa não haver diferença quantitativa, não haver diferença de qualidade ou valor, ou de, numa comparação, mostrarem-se as mesmas proporções, dimensões, naturezas, aparências, intensidades; uniformidade; paridade; estabilidade. Equidade, por sua vez, significa apreciação, julgamento justo, virtude de quem ou do que (atitude, comportamento, fato etc.) manifesta senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos. Para revertermos os números acima, médicas e ortopedistas deveriam receber o mesmo voto de confiança que nossa diretoria me deu em 2019; não se trata de dar oportunidade por ser mulher, mas de acreditar no potencial que mulheres e homens podem ter!
Que nossa nova gestão continue dando espaço para a AMOB e para mulheres “ipês”, pois com certeza, sem nenhum ‘mimimi’, muitas vão florescer!
BOAS FESTAS!
Jordanna Bergamasco
São Paulo - SP
[email protected]

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